02 Janeiro 2023
"A chave para que o caminho seja compartilhado e por isso bem-sucedido está na capacidade de mobilizar e ativar os cidadãos para percursos de participação e cidadania ativa, desviando-os de círculos viciosos e perniciosos do tiro ao alvo naquelas rinhas mediáticas em que as redes sociais muitas vezes se transformam. Os percursos várias vezes sinalizados do consumo responsável e economia, das comunidades de energia renovável e da administração compartilhada são algumas das oportunidades mais promissoras nessa direção", escreve Leonardo Becchetti, professor de economia política da Universidade de Tor Vergata, em Roma, colunista de Avvenire e cofundador da Next - Nova economia para todos, em artigo publicado por Avvenire, 30-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No final da manobra orçamental para 2023 e agora às vésperas do novo ano, vale a pena olhar para o horizonte para definir nossas estratégias futuras. O ano que virá fecha uma sequência de choques vastos e profundos como a pandemia, a invasão russa da Ucrânia, a explosão dos preços do gás que reabre o capítulo da inflação, com o desenvolvimento, como pano de fundo, de uma crise permanente como a crise climática aquele que, por sua vez, alimenta repetidos eventos atmosféricos extremos.
Não é por acaso que a palavra permacrise foi recentemente cunhada para indicar um estado de crise permanente. Como se sabe, o significado da palavra crise é ambivalente, como também ressalta o ideograma chinês onde significa perigo, mas também oportunidade. O tempo das crises, extraordinariamente criativo, é kairos (oportunidade) mais do que kronos (passagem monótona e sempre igual dos instantes) que nos induz (também pelo espírito de sobrevivência) a repensar as nossas vidas.
Economistas e cientistas sociais em geral deveriam ser mecânicos e conhecedores especializados do motor e da máquina do sistema socioambiental.
Cabe a eles explicar os problemas que alimentam os contínuos choques e a consequente crise permanente.
Os principais problemas são essencialmente dois. O primeiro é a confusão do bem-estar e do bem viver com o acréscimo do consumir. Os livros de microeconomia que são a base do conhecimento e das receitas econômicas contêm essa simplificação fundamental e incorreta.
A única coisa que parece importar na economia de mercado é garantir preços cada vez mais baixos por meio da concorrência. Mas os preços baixos não dependem apenas da eficiência e do progresso tecnológico e podem esconder a falta de dignidade do trabalho, a insustentabilidade ambiental e a baixa qualidade do produto.
O segundo problema é o foco quase exclusivo na produtividade e na eficiência o que significa, simplificando, produzir mais bens e serviços em menos tempo.
Nossa civilização é, para o bem ou para o mal, o resultado desses dois erros. Vivemos no paraíso dos consumidores assoberbados por bens de todos os tipos, muitas vezes disponíveis a baixíssimo custo, ainda que a inflação hoje pareça sugerir o contrário, pelo menos no curto prazo. Mas muitas vezes por trás do consumidor exaltado não há apenas inovação e progresso, mas também o trabalhador mortificado e explorado (especialmente nos empregos de baixa qualificação) e o ecossistema em risco.
Produtividade e eficiência foram virtudes e motivos de sucessos espetaculares por muito tempo, tendo levado a humanidade de 230 milhões para 8 bilhões e de 24 para 73 anos de vida média em nível global. Mas quando se lançou o imperativo, o problema ambiental estava longe e agora estamos desafiando os limites do ecossistema e temos de mudar de rumo muito rapidamente usando a lógica da circularidade (criação de valor econômico com o menor impacto ambiental possível).
O efeito mais geral desses dois problemas é uma direção do progresso que nos afasta das razões mais profundas da riqueza do sentido de viver que não são o embotamento dos bens de consumo e a produção de mais em menos tempo, mas uma relação harmoniosa com o ecossistema, a qualidade da nossa vida de relações, o sentido de pertença, a transcendência e sentir-se parte de uma história que tem um significado. Se estivermos cientes do problema, podemos corrigi-lo. Para isso, precisamos enriquecer de significado a vida das empresas (o que está acontecendo lentamente no florescimento da biodiversidade de organizações que não mais focam no lucro máximo alcançado a-qualquer-custo) e mudar os indicadores de bem-estar que orientam o nosso rumo.
Um bom sinal vem da "Aliança para a economia do bem-estar", uma coalizão criada para avançar nessa direção pelos líderes políticos de alguns países importantes do mundo. O debate sai assim das universidades (onde o desenvolvemos há décadas) e entra na cultura (como acontece com os indicadores de generatividade desenvolvidos com o “Avvenire” e apresentados todos os anos no Festival da Economia Civil) para acabar incidindo na política e nas escolhas reais.
No entanto, a chave para que o caminho seja compartilhado e por isso bem-sucedido está na capacidade de mobilizar e ativar os cidadãos para percursos de participação e cidadania ativa, desviando-os de círculos viciosos e perniciosos do tiro ao alvo naquelas rinhas mediáticas em que as redes sociais muitas vezes se transformam. Os percursos várias vezes sinalizados do consumo responsável e economia, das comunidades de energia renovável e da administração compartilhada são algumas das oportunidades mais promissoras nessa direção.
Construir uma economia e uma sociedade civil sobre essas bases significa basicamente dobrar o incrível poder dessa máquina, corrigindo suas falhas e orientando-a na direção do bem comum.
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Chega dessa ‘permacrise’. Não basta produzir e consumir. Artigo de Leonardo Becchetti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU